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Bruna Fetter

O SÉTIMO CONTINENTE

O mundo contemporâneo está pautado por uma constante aceleração. As tecnologias de comunicação possibilitam a circulação de um volume de informações a uma velocidade nunca antes vista. Novas escalas de mensuração do tempo são criadas para tentar apreender numericamente aquilo que a percepção humana não alcança. Nanossegundos e picossegundos fazem parte de um vocabulário técnico que se dissemina em nosso cotidiano. E que, de tão abstratos, passam a ser compreendidos como metáfora da rapidez da vida, da passagem dos minutos, horas, dias1.

Fernanda Valadares nos oferece o oposto a tudo isso. Sua obra pede tempo. Pede que o olho se sensibilize, que o corpo todo pare. Seja partindo de amplos horizontes, ou de planos construídos, a artista nos convida a desacelerar, a escutar o silencio e a tentar compreender porque a noção de sublime parece não mais fazer sentido hoje. Apenas parece.

Na série Himalayas percorremos cordilheiras em um continente inventado. Nessa geograMia particular, realidade e Micção se perpassam, plenitude e imensidão se encontram. Na obra de Fernanda, já não importa saber a que lugar a monumentalidade daquela paisagem corresponde. São os detalhes que tornam suas montanhas uma montanha qualquer e ao mesmo tempo única. Um lugar que existe para a artista e para aqueles que se permitem o momento da percepção. Onde toda a virtualização do hoje se materializa. E que em sua materialidade aciona memórias de uma arquitetura natural existente. Um espaço absoluto e sublime.

Desse sétimo continente, estado mental, emergem outras possibilidades. Nele o silencio fala e a comunicação ocorre por infralinguagem2. Aqui os signiMicados não são Mixos, mas se deslocam de uma referencia a outra, deixando as imagens falarem por si, permitindo que as trocas se estabeleçam a cada encontro. Como Fernanda, que nos mostra espaço para falar de tempo. E falando de tempo nos faz vivencia-lo, pois somente assim podemos experienciar sua obra.

Mesmo quando a artista representa espaços internos, como em 23o35'17S 46o38'13"W e 23o34'15"S 46o42'18"W, lacunas preponderam e o que não está presente aparece. O grande formato, a ausência de cores, deixam espaço para a contemplação e reMlexão. Para Fernanda vazio não é o mesmo que nada. Ele abstrai ruídos e conMigura possibilidades para o visível.

Nesse continente imaginário os segundos se alargam. E em seu mapa mental – cujo tempo é a principal dimensão – o onírico permite que transcendamos da forma e da técnica para questões que beiram a metaMísica e (porque não?) a política. Que da imersão Mísica no trabalho e pensamento poético da artista se possa compreender uma outra forma de lidar com a realidade contemporânea, buscando um estar no mundo que extrapole a escala comprimida dos nanos e picos para uma existência mais simples e afetiva. Que esse Mluxo constante de imagens desacelere até termos a possibilidade de momentos de parada. E que mesmo confrontados ao peso dessa quantidade de informações – visuais ou não – possamos respirar com maior leveza. Porque é a partir dessa noção de leveza que conseguimos, por contraste3, compreender o peso de cada objeto, ação, pensamento, átomo.

Pensar nesse peso é fundamental para Fernanda, alguém que continuamente se debruça sobre a matéria para fundir camadas de cera. Mesmo que ela se enxergue como pintora e faça da encáustica seu principal meio e suporte, essa mostra nos possibilita uma imersão num universo muito mais amplo. Madeira e papel enquanto matéria adquirem carga simbólica e nos mostram uma artista de reMlexão poética e expressiva complexas. Aqui também há camadas a serem desveladas. Nesse sétimo continente, sutilmente delineado na ponta do graMite, não há limites ou fronteiras. Tudo são possibilidades.

Bruna Fetter (Rio de Janeiro, Brasil; vive e trabalha em Porto Alegre) é doutora em História, Teoria e Crítica pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) da UFRGS.

Recentemente dividiu a curadoria da mostra coletiva Mutatis Mutandis, com Bernardo de Souza, no Largo das Artes, no Rio de Janeiro (2013); assinou a curadoria da exposição Lugar Qualquer, individual do artista Rommulo Vieira Conceição na Casa Triângulo, em São Paulo (2013); e compartilhou com Angélica de Moraes a curadoria de mostra desse mesmo artista, vencedora do Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2012, no Centro Cultural da Funarte em São Paulo. Mestre em Ciências Sociais, traz em sua bagagem proMissional vasta experiência na produção executiva de projetos de Artes Visuais. Atualmente compõe a equipe editorial da Revista Valise e participa do Comitê de Acervo e Curadoria do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC/RS).

1 VIRILIO, Paul. Negative Horizon: An Essay in Dromoscopy. Continuum Publishing, 2006, 227 p.
2 LATOUR, Bruno. Reagregando o Social. Uma Introdução a Teoria do Ator-Rede. Salvador : EduMba, 2012;

Bauru, Sao Paulo: Edusc, 2012. 400 pag.

3 CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas/ Italo Calvino : tradução Ivo Barroso – São Paulo : Companhia das Letras, 1990.

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