FERNANDA VALADARES
FERNANDA VALADARES
pintura contemporânea
Fernanda Valadares
ISOLAMENTOS
Série de 15 pinturas em encáustica sobre ilhas prisionais
Isolamentos é uma série composta por 15 pinturas realizadas em encáustica, que tomam como ponto de partida os perfis de ilhas prisionais. Mais do que um trabalho sobre geografia ou paisagem, a série propõe uma meditação sobre a condição humana — o tempo, o confinamento, a liberdade e suas muitas formas.
A técnica da encáustica, com mais de dois mil anos de história, carrega em si uma relação íntima com o tempo. Ao pintá-las, penso não apenas na durabilidade dessa matéria — que já atravessou milênios — mas nas marcas que nossas ações deixam, que se estendem para além do instante. Há um lastro, há memória, há consequências: uma pena a ser cumprida por um certo tempo. Por quanto tempo?
Para o condenado nem tanto aonde, mas esse ”quanto tempo” passa a ser o foco. Entre os trabalhos dessa série há uma pasteurização dos destinos, mesmo mar, mesma terra, mesmo céu. Muda a dimensão, há penas maiores, há penas diminutas, até mais frequentes.
Mas se por um lado penas em ilhas prisionais são um período de contenção, são também imersão na imensidão de mar e céu. Penso muito em minha cidade natal, São Paulo, onde falta céu, falta mar e falta tempo. Frequentemente se quer fugir, para simplesmente estar em uma ilha. Fugir para a prisão reversa em que o tempo é igualmente contado. Quanto tempo dura o recesso, as férias? A ilha é a mesma.
Isolamentos convida à contemplação das ilhas como espaços liminares: entre terra e mar, entre o tempo suspenso da punição e o desejo por refúgio. A técnica da encáustica, com sua espessura e transparência, permite que o tempo esteja visivelmente presente na superfície das obras — como camadas de história e silêncio.
Esta série busca, portanto, não apenas representar ilhas, mas dar forma plástica ao pensamento sobre o isolamento, suas causas, suas durações e seus paradoxos. Ao apresentá-la para apreciação institucional, creio que contribui com uma reflexão atual e profunda sobre o que significa estar apartado — por um castigo, por uma escolha, ou por um simples desejo de pausa.
Ilha Anchieta (Brasil)
Hoje Parque Estadual, a Ilha Anchieta, em Ubatuba, teve um passado como colônia penal. Foi o lugar onde passei as férias da infância, inconsciente do que as construções abandonadas representavam. Só mais tarde descobri que aquelas "ruínas poéticas" eram vestígios de um presídio ativo até 1955, encerrado após uma violenta rebelião. Para mim, essa ilha carrega a dualidade entre memória pessoal e memória histórica, entre a liberdade e o aprisionamento da infância.
Alcatraz (EUA)
Talvez a mais célebre das ilhas prisionais, Alcatraz habita o imaginário coletivo. Isolada pelas águas frias da Baía de São Francisco, ela foi símbolo de confinamento extremo e, paradoxalmente, tornou-se destino turístico. Seu prestígio – construído por narrativas midiáticas – transforma o cárcere em espetáculo, e a memória penal em atração.
Saint Helena (Território Britânico Ultramarino)
Não é uma prisão formal, mas um exílio absoluto. Ali, Napoleão passou seus últimos dias em relativo conforto, porém desconectado do mundo. O isolamento da ilha foi escolhido como forma de silenciar uma figura politicamente perigosa — uma maneira de deixá-lo offline. Hoje, Saint Helena é uma ilha pacífica e turística, marcada por essa história de contenção e distanciamento.
Patmos (Grécia)
Patmos possui um peso simbólico profundo. Segundo a tradição cristã, foi lá que o apóstolo João escreveu o Apocalipse durante seu exílio. Uma prisão espiritual que, no entanto, gerou um texto libertador para muitos. Hoje, Patmos é um dos destinos mais serenos da Europa — um paraíso construído sobre o solo do isolamento.
Île du Diable (Guiana Francesa)
Parte do Arquipélago da Salvação, a Ilha do Diabo foi, por décadas, um símbolo de brutalidade penal. Destinada a prisioneiros políticos, tornou-se tristemente célebre pelas condições desumanas que levavam à morte de grande parte de seus internos. Hoje, a ilha permanece fechada à visitação, enquanto as demais do arquipélago se transformaram em locais turísticos. Um lugar que carrega, ainda, a tensão entre memória e esquecimento.