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Fernanda Valadares

LITOLOGIAS

Dando continuidade à investigação que tenho feito sobre paisagens externas e internas; este conjunto de trabalhos se chama Litologias. A litologia é, no âmbito da geologia, a ciência que estuda as rochas, grandes massas de pedra. Para a medicina é a especialidade referente à formação de cálculos no organismo.

Neste mundo cada vez mais intricado e de difícil compreensão, me interessa adotar atitudes mais simples; o processo primitivo de construir (imagens) com pedras me pareceu simbolicamente adequado. Litologias é, portanto, fruto da experiência sistemática de estar entre pedras, e da reconstrução da experiência de estar entre elas. O trabalho abarca o aspecto da paisagem exterior, da percepção do mundo a partir da captura de sucessivas imagens de pedras, e simultaneamente de uma construção interna, como um cálculo produzido pelo meu corpo, em que essas imagens são expelidas e criam uma nova paisagem.  

A partir da reflexão sobre o encontro da aparência de algo com sua existência, percebo que a aparência somente pode existir se há alguém para sustentá-la, e o sustentar da aparência é nada menos que a própria experiência da existência. Portanto, posso dizer que as pedras existem a partir da minha experiência com elas. Nessa interação, sua aspereza ou sua solidez passam a fazer parte de de mim; passo a ser pedra, rugosa e pesada, e me manifestar em novas formas e paisagens. Mas ora, bem o sabemos que as pedras do mundo existem sem mim; logo deixo de ser - pedra e gente - a medida em que entendo outro aspecto da natureza das pedras com Valter Hugo Mãe:

“As pedras são entidades absolutamente autónomas às expressões. As pedras recusam a linguagem. Para a linguagem as pedras reclamam o direito de não existir. Se as nomeamos não estamos senão a enganarmo-nos voluntariamente. Às pedras nunca enganaremos. Elas sabem que existem por outros motivos e talvez suspeitem que o nosso desejo de falar seja só um modo menos desenvolvido de encarar a evidência de existir.”

Litologias aspira transitar além da linguagem, num silêncio que não tem muito a ser explicado ou entendido. Uma greve de palavras ou conceitos em um mundo tão cheio deles. Propõe apenas o encontro com a aparência, que pode, ou não, gerar uma  experiência próxima à das pedras na evidência do existir. 

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 MÃE, Valter Hugo. A desumanização.  São Paulo: CosacNaify, 2014.

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